sábado, 26 de fevereiro de 2005

Onde eu estava mesmo?



Ser famoso tem suas vantagens e desvantagens. Eu trabalho no centro de Santos e sou um exemplar funcionário. Depois que alguns camaradas descobriram que atrás daquele rosto tranqüilo do Seu Alfredo, mora o Velho que escreve no Abobra, acabou-se meu sossego.
- Seu Alfredo, o senhor é mesmo o Velho??
- Limite-se a cumprir seu trabalho. Tenho 40 anos e velho é pulta que ti paril!
- Caraio, é ele mesmo!
A boataria espalhou-se por todo prédio e ainda não sei quem foi o corno que descobriu isso.
O boy fala com um amigo de profissão:
- To desconfiado que o seu Alfredo é o Velho do Abobra.
- Tá louco?? De onde você tirou essa idéia?
- Sei lá, os caras que estão dizendo isso. E na porta da sala dele, esta escrito assim:

/\lfredo ( The Authenticador!)



Logo tive a caixa de meu email lotada de ofensas e dos mais poderosos vírus criados pela humanidade. O lado bom , foi que sempre que me reconhecem na rua, as mulheres se atiram sobre mim,
- Pega esse machista, pega! Desgraçado! Vamos linchar esse canalha!
Dessa forma, tomei providencias a fim de garantir minha segurança. Vendi meu Escort Verde Escandaloso e comprei um discreto Puma conversível. Amarelo Inveja. Nunca entendi porque os fabricantes de tinta inventam esses nomes pra as cores de carro.

Tempo que não tenho.
A coisa passou dos limites essa semana passada. Sai cedo de casa e fui trabalhar. De repente todos pareciam me reconhecer na rua. Um motoqueiro vem olhando pra mim e tenta dizer algo. Sei que ele quer me agredir, porque outro dia um deles me atirou um ovo na cabeça. Eu acelero a Puma e tento escapar. O motoqueiro não desiste. Aponta pra mim e tenta gritar. Numa curva com radar , freio a Puma violentamente pra não ser multado. O motoqueiro não conseguiu brecar a tempo e se embucetou na traseira de meu carro. Com o carro arranhado, segui meu caminho. O corpo do infeliz ficou estendido no chão. Fiquei meio nervoso com tudo isso, mas continuei meu rumo. Paro no sinal e temo que mais algum motoqueiro venha vingar o acidente de seu amigo. Sei que eles são foda e fazem isso direto. Pelo retrovisor, vejo um se aproximar. Ele vem na crocodilagem, quer me pegar de surpresa. Mas estou atento. Olho o sinal, esta vermelho. Como eu imaginava, o motociclista se aproxima e estende o braço em minha direção. Acelero o carro e o fecho contra um ônibus. Mais um pro caralho! Em minha fuga, um taxista tenta me chamar. Atravesso o canteiro da rua e entro na contra mão. O taxista vê a cena boquiaberto e bate na lateral de uma Kombi cheio de crentes. A perua capota e pega fogo. Foda-se, nunca gostei de crente mesmo. Pra evitar mais confusão, pego uma via mais tranqüila e sem movimento. Vou devagar pra não chamar atenção. Uns moleques estão jogando bola na rua. Passo lentamente pra não estragar o jogo, mas um dos moleques me diz quando passo ao seu lado:
- Se liga tio , sua ...
Não esperei o fim da frase e o soquei no queixo. Corri pra eles não me pegarem. Esse pequeno delinqüente já está desmaiado no chão. Na seqüência, infelizmente atropelei um vira latas que se coçava no meio da rua. Fiquei com pena do cachorro, mas vou fazer o que?
Já estava atrasado e meu chefe vai me dar uma enrabada. Precisava tomar decisões rápidas se quisesse chegar a tempo de bater o cartão de ponto. Encostei o carro numa quebrada e peguei meus espetos seis de churrasco no porta malas. Sempre levo meus espetos porque nunca se sabe: às vezes pinta um cara querendo fazer um churrasco e esta sem espetos. Por isso sempre tenho um jogo no carro. Coloquei os espetos no banco do passageiro e segui viagem. Logo eu entro numa via mais movimentada, um motorista de ônibus me aponta. Sem pestanejar, atiro o espeto que acerta a testa do agitador. Sem controle, o ônibus avança em direção do ponto e atropela 15 pessoas. Ainda bem que não haviam crianças nem cães. Ultrajado, já ando com um espeto erguido nas mãos. Alguns motoristas ainda tentam me chamar, mas agora eu os ignoro. São 7:46 hs. Corro pela cidade desesperado. Vou perder a hora. Já consigo ver o estacionamento. Mais alguns minutos e estou fora do carro. O sinal parece demorar cada vez mais. É um complô. Agora ninguém se aproxima de mim. Meu carro esta toda arranhado. Blog desgraçado! Vejo meu chefe entrar com seu carro no estacionamento. Ainda dá tempo. O sinal abre e disparo com a Puma em direção a entrada do local. Não posso decepcionar meu chefe. Seu Paulo é meu amigo. Ele não quer me ver chegar atrasado. Ele está parado conversando com um rapaz na cabine do estacionamento. Eu diminuo a velocidade e entro devagar. Seu Paulo me sorri. Ele me diz no momento que passo por ele dentro do carro.
- Seu Alfredo ...
Eu pulo do carro e o agarro pelo paletó.
- Diga! Termine de falar! Diga que estou atrasado! Nunca imaginei que o senhor faria isso comigo! - O homem me olha estarrecido.
- Mas eu ia lhe avisar que a porta do seu carro está aberta...
- A porta do meu carro está aberta. E daí?

Soltei-o no chão e tenho que correr ate o relógio de ponto. Quatro policiais armados se aproximam antes que posso entrar no prédio. Um deles me aponta uma pistola:
- Parado ! Você é o Seu Alfredo?? - Eu olho para os policias e respondo:
- Não, eu sou o Velho.
Corro e subo pelas escadas. O lugar está estranho. As portas estão fechadas. Me descobriram agora. Ouço tiros vindo em minha direção. Subo andar por andar. Ouço sirenes. Chego ao topo do edifício. Vejo fumaça lá longe. Um helicóptero da Policia levanta poeira e me assusta pelo barulho. Um policial me aponta um rifle. Os tiros batem na laje , mas não me acertam. Corro ate o parapeito e olho o relógio: 8:01hs.
- Dava tempo. Eu não cheguei atrasado. Eu sou o Velho.
E saltei de braços abertos. Voei e senti que aquilo era bom. Voei alto. Eu estou voando agora. Não sei onde vou parar.

Melhor apagar que desaparecer. (*)

*Kurt Cobain

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