segunda-feira, 3 de maio de 2004

Cada um tem o filho que merece


Meu primo Demétrius sempre foi o filho preferido do seu Armando. Não era o mais inteligente, suas notas eram sempre medíocres, mas vivia sempre sendo paparicado pelo seu pai. O outro irmão, João Felipe ,meu primo mais novo um ano, já acostumava-se com a preferência de meu tio, nem discutia mais quando o irmão ganhava sempre os melhores presentes, se acostumou com a insensibilidade e falta da presença de um pai.
Na época esse meu primo veio desabafar comigo, tinhamos a mesma idade de 16 anos.

- Eu odeio o meu pai
- Porque ?
- Eu pedi uma lapiseira 0.7 na papelaria e em vez disso comprou pra mim 6 tocos de lápis e para o Demétrius, uma lapiseira com um monte de carga. O filho da puta nem pra comprar um apontador, tenho que apontar os lápis na faca
- Oxe.
- Disse que era porque ele está estudando pra passar em Medicina no vestibular do final do ano.
- Demétrius estudando medicina ?
- Vê se pode . Aquele débil mental sonhando em passar em Medicina.

Logicamente Demétrius não conseguiu passar, nunca tinha estudado com determinação a ponto de passar em Medicina na UNB, ficou tentando por mais 3 anos, torrando a grana do pai em cursinhos, que era um lugar onde conhecia lindas garotas, até que desistiu e influenciado pela namorada passou em Artes Plásticas na mesma universidade. Na mesma época João já estava no 4º semestre do curso de Medicina, e amargurado numa mesa de bar veio falar mal do pai de novo.

- Aquele velho desgraçado ! Passei todos esses semestres indo de ônibus aqui pra UNB, e o Demétrius passou agora naquele curso de Artes Plásticas e o velho deu um carro zero de presente pra ele.

Fiquei sem palavras, mas todos na família sabiam dessa implicância que meu tio Armando tinha com o filho João. Continuava se lamentando já com o oitavo copo de chopp na mão:
- Ficou sabendo que eu sai de casa ?
- Saiu porque ?
- Depois que a mãe morreu, no ano passado, não tá dando pra agüentar aqueles dois lá naquela casa. A mãe era a única que me tranquilizava. Aqueles dois nasceram um para o outro, são carne e unha. Vê se pode, disse que o Demétrius agora vai ser um artista. Agora só vejo ele com uns caras mais estranhos no campus, fumando maconha o dia todo.
- E você tá morando aonde ?
- Aqui no campus na UNB mesmo, tem uns apartamentos baratinhos. Tem uma grana que minha mãe juntou pra mim, aquele filho da puta nem grana me dá mais. Vá pro inferno. Quem precisa de um pai desses.
- Você pode entrar na justiça, pedindo uma pensão.
- Deixa quieto, não quero nada que venha dele. Deixa ele com o seu filho artista.

Então se passaram uns 5 anos, e João virou pediatra. Abriu uma clínica com as economias que sua mãe tinha lhe dado. Tragicamente 1 ano antes Demétrius veio a falecer numa festa da galera do seu curso, consumindo drogas financiadas pelo pai, foi uma overdose fulminante. No velório lembro que João nem olhou para o pai, foi um lance muito escroto, porque o velho Armando esperava alguma palavra de afago por parte do filho. Mas é o que digo, cada um tem o filho que merece.

Durante esse tempo o meu tio vendeu a empresa, a casa, vários bens para pagar as loucuras e vícios de Demétrius. Mesmo assim tendo piedade do pai pra não vê-lo nas ruas, João resolveu colocá-lo num asilo perto do Núcleo Bandeirante. Nunca o foi visitar, só tem o trabalho de enviar uma quantia mensal de dinheiro, talvez em agradecimento por o ter colocado no mundo. Minhas outras tias o visitam freqüentemente, e dizem, que o velho se arrepende até hoje por ter faltado com João. Fala de boca cheia para os outros velhinhos do asilo: “ Meu filho é médico. Um médico importante e reconhecido. Um vencedor”.

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