Alguns degraus na terra batida ajudam a vencer a parte mais íngreme do morro. Subo com dificuldade sob o peso da bicicleta que tenho de erguer ao ombro e o peso da idade nas minhas costas. Encosto a magrela no bar do Jaiminho, um botequim pavoroso onde tipos hediondos descansam suas magoas.
Já nem lembram mais quem são, só fazem para a cachaça. O próprio Jaime, com um olho e muitos dentes a menos pelas brigas com clientes já anda cambaleante. A luz fraca sobre uma imagem engordurada de Nossa Senhora Aparecida dá o tom depressivo da vida na favela. – Mistura de tudo que é desgraça, penso!
Os de sorriso fácil escondem o desespero. Os ranzinzas demonstram sua amargura e os bêbedos esquecidos, esquecem. Tomo um gole de pinga vagabunda e sento à porta, olhando a vida fervilhante morro abaixo. Lembra um formigueiro, com insetos à cata de tudo que possa ser útil ao longo inverno que é a vida. Vejo uma senhora carregando um bebê que chora, choro agudo e desesperado. E tome-lhe tapas no chorão que chora mais ainda. Esqueço tudo, sentindo o torpe efeito da cachaça começando a agir e tomo mais uma, e mais outra para melhorar os pensamentos.
Zé do Burro dá-se por satisfeito, bebeu bem hoje e ta na hora de ir para casa, descansar o miserável esqueleto para mais um dia de trabalho. Despede-se de todos com a educação que lhe é peculiar e antes da porta é chamado por Jaime – E a conta? Zé diz que já pagou. Eu que não prestava atenção, nada digo. Os dois estão muito bêbados, um pode ter esquecido de pagar, ou o outro esquecido de dar a baixa no caderno. Discutem com classe e com muita gentileza Zé do Burro arremessa uma praga e uma cadeira em direção ao balcão e sai cambaleante, fugindo do brilho de uma faca. Foge sobre juras de morte.
Pago, saio. Esqueço a bicicleta e o ocorrido. Não foi comigo nem com eles. Amanhã bebemos todos juntos novamente e no dia do pagamento vamos todos à casa de Rosa Cabarcas. Nós esquecidos, esquecemos.
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