23:42 hs.
Quando olhei o prédio, fiquei imaginando porque diabos alguém queria que aquilo fosse protegido. Uma construção abandonada, cheia e no meio do mato, cinco andares, os dois últimos quase no esqueleto, uma parede aqui, outra ali. A abertura de entrada do edifício era um vão alto que seguia num largo e longo corredor que dava na outra extremidade. A noite estava pesada, densa, o capim molhado, orvalhava deixando tudo brilhante e incomodo. Lixo por todo lado, escombros, marcas de fogueiras, latas queimadas, mofo, limo, também gotejava dos buracos aonde deviam estar instalados os canos de água e ralos. Cada gota que caia ecoava baixinho, dois pingos rápidos, um segundo depois, mais um, numa freqüência calculada com esmero pelo acaso. Cheiro, às vezes fedia, azedume, carniça, merda, mijo.
No centro esquerdo do corredor, notava-se uma escada, do lado direito, o que seria o poço do elevador, tampado com tapume e um monte de entulho.
O motorista limitou-se a me avisar já com a Kombi ligada e me jogando um molho de chaves:
- Lá no fundo do corredor tem uma sala fechada, tem água e um bico de luz. Bom trabalho.
- Agradecido. - respondi testando a lanterna enquanto a perua sacolejava pela estradinha de terra pra desaparecer no meio da escuridão.
Serviço de vigia já é um saco, ainda mais aqui nesse cu do mundo. Vai ser foda do tempo passar. Mas se tem que ser assim...
No fundo do corredor, encontrei a tal sala fechada, trancada com um cadeado novo e bem vagabundo desses que a gente abre no sopro, provavelmente instalado ontem. Abri a porta e vi o interruptor pendurado na ponta de um fio, click, quando a luz acendeu-se, encheu o corredor, revelando minhas pegadas na poeira.
Na tal saleta, sobre uma mesa feita de madeira usada, uma garrafa de água mineral e um rolo de papel higiênico. No chão um monte de tralha espalhada, galão de tinta vazio, saco de cal duro feito pedra, um resto de peneira, sacos de mercado, pontas de cigarros, sobras de obra . De volta ao corredor, fui ate a escada, ainda no concreto e subi o primeiro lance. Mato e sujeira de novo, a luz da lanterna corria pra todo lado, avisando minha presença, uma parede pichada com carvão surgia a cada lance. Subi mais um andar e passei direto pro terceiro e dali pro quarto pra terminar na laje do telhado. A noite turva, o piso úmido, tinha chovido de manhã, as pontas expostas dos ferros das colunas inacabadas estavam tão enferrujadas que pareciam fogo de tão laranja."TÉTANO" pensei. Do topo, se via no horizonte, as luzes da cidade e os faróis dos carros cortando a estrada lá longe.
A casa de maquinas do elevador não tinha porta, era um cubo de tijolos e vigas de perfil maciço quase no centro da laje. Dentro, sobre a abertura do fosso, um pedaço de placa de zinco numa armação de madeira
- Quase uma armadilha, se alguém pisar aqui se fode. - falei alto pra ouvir minha própria voz. Puxei a placa e apontei a lanterna pro fundo do fosso, tinha água lá embaixo. Joguei um pedaço de tijolo, feito criança, pra ver a profundidade . O tijolo desceu se exibindo na luz da lanterna, caindo ansioso, demorou um pouco - é meio alto daqui - bateu na água e splash! Caramba, não imaginei que fosse fazer tanto estardalhaço. Fiquei meio sem graça, eu estava ajoelhado vendo uma pedra cair. Que bobagem.
Tirei a placa da casa de maquinas e a apoiei de pé na entrada, impedindo acesso ao fosso, era melhor ali do que onde estava. E na placa, comecei a descobri o que seria aquele lugar, um logotipo azul de um antigo governo estadual, uma parte dele pintada naquele pedaço de aço: era só uma obra publica largada no meio do nada.
A noite virou madrugada. Sem nada produtivos pra fazer, desci e comecei a ajeitar a tal sala fechada, ali seria meu canto - amanhã trago um radio, troco esse cadeado e reforço as dobradiças, uma garrafa térmica - fui planejando enquanto tirava o lixo. Uma vassoura de piaçava ou que restava disso me ajudou na tarefa.
No meio da bagunça surgiu mais um pedaço da placa, essa dizia que ali seria uma "Unidade", deduzi pelas letras que ainda podiam ser lidas. Atrás da placa, colada na parede, uma folhinha com o retrato de dois dálmatas, datava o ano de 1969. Não foi complicado descobrir que a folhinha era só um ornamento, a obra não tinha essa idade, imaginei uns cinco ou seis anos de abandono. Achei algumas folhas de jornal velho, desamassei e o alinhei sobre a mesa. Não me dei conta do horário, me distrai ali na saleta. Li anúncios, um Fusca 78 com documentação ok , um sitio com galinheiro e horta, um graça alcançada, uma prensa pra fazer fraldas... CLAM!
Um barulho seco e grave, levei um baita susto ao ouvir um ruído vindo lá da entrada, o peito logo disparou, de instinto, passei a mão na cintura atrás do revolver, eu não trouxe revolver, primeiro dia de serviço, não podia correr o risco de alguém me flagrar armado, a lanterna nem me veio a mente, peguei o primeiro pedaço de pau que apareceu e gritei firme:
- QUEM É!!? QUEM TAÍ??!?
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