quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Mamãe dizia para papai se livrar daquele monstro, mas ele relutava e dizia que era importante ter um cachorro feroz para a guarda da casa. E que ele acostumando-se conosco não representaria perigo. Eu tinha medo dele, enorme, com dentes de tigre e rugido de leão. Um diabo. Mas acreditei em papai e resolvi que era melhor ser amigo que inimigo de um bicho que não gostava de ninguém e morava no mesmo terreno.


Sempre trancado no canil de grossas grades, tentava arrancá-las a dentadas sempre que alguém que não papai aproximava-se. Peguei alguns biscoitos e fui pra próximo da grade trocar algumas idéias com ele. Rugiu e enlouqueceu na minha presença. Eu, então com oito anos de idade não tinha muita noção das coisas, mas tinha medo.


Sentei-me e deixei que latisse enquanto falava carinhosamente, e lançava-lhe um biscoito sempre que aquietava um pouco. Fiz isso por uma semana e já não se importava com minha presença. Pensava eu que ele trancado lá, tinha razão de estar revoltado mesmo. Conversava com ele e ele já me ouvia quieto, deitado às vezes e sem qualquer ferocidade no olhar. Arrisquei um carinho dias mais tarde e ele aceitou o afago como fosse um filhote. Dava a pata quando eu pedia e lambia minha mão já. Éramos amigos, não o temia. E sentia orgulho dele continuar a mesma fera com os outros. Como Hamsés e seu leão. Queria-o bem, mas fui o responsável pela sua morte.

Na escola, havia um menino que vivia a me dar cascudos e me bater e esculachar na frente dos meus amigos. Três anos mais velho, eu não arriscava reação. Chorava às vezes. E comecei a bolar um plano para vingar-me.

Pensei em convida-lo para jogar vídeo-game e soltar o cachorro quando entrasse, mas eu nunca falava com ele, como propor uma partida de Super Mario amigável? Pensei no assunto a aula toda. Queria vê-lo morto, mas não surgia nada na idéia. Bateu o sinal, tomei o rumo de casa ainda pensando. Não ouvi meu carrasco tripudiando de mim até sentir o cascudo na cabeça. - To falando com você, retardado! – Continuei imóvel. A idéia veio então, de chofre e perfeita.

- Vai ver se eu to comendo sua mãe, seu viado. Disse eu e sai em disparada até minha casa, que não estava longe. Enquanto corria, xingava mais e mais para anima-lo a continuar a perseguição. Entrei em casa e tranquei o portão. Sabia que não o seguraria, pois o muro era baixo e as grades fáceis de pular. Corri até a porta do canil e torcendo que ele pulasse dentro do terreno. Alisava a cabeça da fera, para ele não perceber a armadilha e continuei xingando tão logo ele ameçou invadir. Pulou. Deixei ele tomar distância do muro e abri a grade. – Pega! – E o cachorro avançou. A meninada que corria atrás para ver-me apanhar como nunca havia apanhado antes chegava ao portão e escutava os berros do desgraçado, e berravam diante da cena terrível. Ele tentava lutar com o animal, que mais enfurecido ainda cravava os dentes e puxava as carnes de seus braços, rosto e tudo o mais. A agitação era grande, eu assistia estático, horrorizado e com medo do tamanho da desgraça que se sucederia. Não tinha como parar a carnificina mais. Quando o menino parou de mexer, ele rosnava e arrasta seu corpo pelas pernas. A algazarra chamou a atenção de um vizinho. Armado invadiu o terreno e atirou no cachorro, que continuava a avançar na direção do homem. Foi preciso mais quatro tiros para coloca-lo no chão. Cai de joelhos e chorei. O desgraçado me abraça para tirar-me dali enquantos outros homens entram na casa para socorrer o filho da puta.

- Você está bem, rapazinho?

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