Desde que comecei a jogar xadrez com coronel José Arcádio Buendia muita coisa mudou. Era meu maior inimigo, mas o tempo apazigua tudo e desde nossa primeira partida amistosa fomos criando laços e vendo que no fundo éramos dois homens com posições nobres mas distintas.
Numa tarde de novembro, sob um sol escaldante, a sombra da velha e imortal amendoeira bicentenária que ele mesmo havia plantado trazia um pouco de paz à continuação da partida iniciada dez dias antes. Afinal, já éramos velhos e o jogo não passava de um pretexto para jogarmos conversas fora e conhecer melhor um ao outro. Eu já o respeitava, mas não deixava vistas de tal, pela arrogância, pura e simples de um matador conhecido e respeitado que era.
- O compadre pensa que ninguém vê. E pensa que os que sabem se orgulham do que você faz, do parente que você é. Nem se tivesse alimentando esses diabinhos que nascem dia-sim / dia-sim faria tão bem quanto se reconhecesse a verdade. – Xeque! - e partisse dessa vida.
- Ta ficando rápido nesse jogo hein! Mas veja o senhor que eu compro o desígnio divino de limpar e adubar a terra. Deus me fez imortal por vontade dele! - Movo meu cavalo impedindo o avanço do bispo.
- Compadre, tu nunca se achegou com gente nenhuma, não é hora de dizer que Deus que te aproxima delas. Não gostas de ninguém, é a verdade.
- Tem Lupércio. Preciso ensinar o menino nas artes de crescer e ser homem. Eu sei que o senhor tem ressentimento ainda por ter lhe matado, mas preciso cuidar do menino.
- Não. Morri, morri. Faço meu tempo e aproveito, vendo oque não via antes.
- Agora deu de espiar mulher no banho é?
- Não. Contemplo o futuro com a sabedoria de duzentos anos que Deus me deu, esperando minha hora de voltar a caminhar. Seremos inimigos de novo. E esse Lupércio,quando nascer, não será matador. Será o alento desse povo, escreva.
- Vai esperando. Não morro, sabes, e ponho o moleque na linha!
- Por isso espero sem pressa, confesso-te. Não quero-te como pai.
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