quarta-feira, 29 de março de 2006

A terceira pessoa.

O legista dá um parecer informal ao investigador. O corpo de Maria Cecília pousa numa mesa de tampo inoxidável :
- Nada de trauma. O corpo tá intacto. Vou ter que abrir e ver as vísceras...
- Estupro?
- Não. Tudo limpo. Tem esperma mas não é da hora da morte. E lá no local, Amaral?
O investigador tira um cigarro do maço e o acende:
- Pisaram tudo, só achei uma guia, dessas de macumbeiro. Não tinha mais nada, nem roupas, nem documentos. Tô fudido! Branca, de menor. - Amaral olha o rosto do cadáver - e bonitinha, né? Ninguém veio reclamar o corpo?
O legista reprova a observação do investigador Amaral , cobre a moça morta com um lençol azul e segue ate a pia onde lava as mãos:
- Ninguém. Só uns merdas de uns repórteres vieram encher o saco.
- Faz o seguinte, eu vou plantar uma historia na imprensa. Você confirma: Adriana, quinze anos e estuprada. Quem fez isso, logo vai reclamar da mentira.

João caiu na cachaça naquela tarde. Chorou as lagrimas que não tinha. No dia seguinte leu no jornal pendurado na banca.

Menor encontrada morta foi violentada.

Quando viu o nome Adriana ainda pensou que fosse outra pessoa. Mas era de Maria Cecília que falavam mesmo. Violentada?? E lembrou-se do que o pai de santo lhe disse:
- ...tem coisas que só você pode entender.
E lhe veio claro na mente:
- O cara que colocou o jornal, se saciou no corpo morto de meu amor.

Na manhã seguinte , João estava na calçada oposta ao matagal onde matara sua namorada. Viu o sujeito da mochila passando e olhando para o local do crime. E entrou no metrô junto com Gregório. Sentou-se em sua frente, mas ele não o via. Invocou todos os espíritos e entidades do mal. Todos orixás, todos caboclos, quando levou a mão no pescoço e deu falta da guia que tinha retirado :
- Você vai morrer, vai, vai morrer. A morte vai te abraçar, cão imundo. - Dizia baixinho enquanto observava o imparcial homem com seus fones nos ouvidos.
E Gregório pensou na morte.

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