quarta-feira, 29 de março de 2006

Paralelo.

Se já tenho meus dezoito anos, sou o dono de mim. E não seria uma piranhazinha de 16 anos que iria dizer o que era bom ou ruim pra mim.
- Não vou mais usar essa guia, Maria Cecília.
- Mas é pra sua proteção. O pai de santo...
Agarrei seus braços com firmeza e a olhei dentro dos olhos:
- Pai de santo é o caralho! Desde que me enfiei nessa merda de centro minha vida só dá pra trás!
Cecília me evita os olhos. Ela esconde algo. Seu silencio não era confortável. Apertei seus braços agora com força. Finalmente ele disse algo:
- Você está me machucando, João!
- O que o pai de santo lhe disse? Porque você está me evitando?
- Me solta que você esta me machucando!
Eu não vou machucar meu amor. Soltei os braços e respirei. Vou ficar calmo e pensar em algo. Esse cheiro de mato. Esse matagal já me viu provando as carnes de Maria Cecília, mas agora ela esta diferente.
- Cecília, meu amor, o que o pai de santo lhe disse?
- Disse que algumas coisas eu não podia entender - e a moça lembra do corpo pesado do líder espiritual, enfiando o pênis carnal em seu sexo molhado. O bafo de aguardente, o fedor do charuto, o suor do negro pingando em seu seio nu. E numa confissão que lhe corroia a alma, Maria Cecília diz a João, seu namorado:
- ...eu me deitei com ele.
Eu coloquei a mão em sua boca e só a retirei quando Cecília parou de respirar, Depois a deixei nua, deitada no mato. E na minha cabeça, podia ouvir o Pai de santo, na sessão no centro, os tambores, os murmúrios, a dança. E ele me olhava com ódio. Naquele dia ele me disse que algumas coisas eu não queria entender. E foi naquele dia que ele deitou-se com meu amor.

Passei duas vezes no matagal . A prefeitura estava cortando o mato, logo o corpo apareceria. No dia seguinte, bem cedo, já havia gente olhando o cadáver. Um sujeito tira o jornal da mochila e cobre Maria Cecília.

Na noite anterior, fui ao centro. O batuque, a dança, o cheiro de defumador. Pedi conselho ao pai de santo que me disse:
- Não adianta rasgar retrato, o homem que vai cuidar de seu amor é o culpado. Tem coisas que só você pode entender.

Eu observo os populares de longe. Porque ele colocou o jornal sobre o corpo? Eu vejo o homem se afastando em direção ao metro. Ele olha pra trás e o vento levanta o jornal que cobre a alva Maria Cecília. É ele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Abobra Diário.