quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

O povo todo indo contra o meu caminho, aquelas caras tristes me olhando com receio, certo fosse que o sol tinha amolecido meu juízo. Batia de frente com os menos desavisados com gosto, pra modo de a raiva não se extinguir. Povo covarde!

O olho do diabo batia bem em cima do vilarejo. Quantas menos gente, maior era a assolação e maior era minha sanha. Ele tava lá, e eu ia ter com ele. Caminhei, sêo. Semanas em terras áridas, espinhos retorcidos do calor, esqueletos de cascavéis e o sol, inimigo mortal de toda alma vivente. De estranho que pareça, sede nem não tinha, só a raiva que me secava a boca e enroscava na garganta sem descer e virava em espumeira maldita nos beiços tudo, feito cão raivoso que no acertadinho eu era. E de pouco notei que já havia algum tempo que não cruzava com vivente algum. Espectros de bois e cabras com a língua de fora, deitados à beira do caminho e aves de luto, chorando e vivendo da desgraça dos bicho, procriando na imundícia e vivendo. Bicho toleimoso!

Cai e levantei umas par de vezes, com os urubus empestiados ao meu redor. Atreveria uma traquinagem dessa comigo? Decerto que sabem quem sou, e quando levanto as peste sobem tudo em algazarra derrotista, alardeando o Tatarana!

Não alembro com exatidão o dia que encontrei-o, já nem eu nem ninguém contava-os mais, sei que em muitos dias estive mal, mal-comunado com a morte e fixo no intento. Pedras e espinhos enfrentei, mais o sol, até que achei um canto para descansar e exausto, adormeci. Acordei com consciência de minhas carnes, estranhamente estava vivo. O lugar não era o mesmo da véspera, mas a calmaria que achava-me deu-me a certeza: Havia chegado. Carregado, por certo, mas havia!

Havia um poço d’água, donde os bichos corriam cada vez que a fonte borbulhava, como que com medo do liquido da vida. Pedi daquela água e o Sujeito de pronto atendeu-me. Alcebíades era o nome de batismo, arrenegado por ele que se dizia Mané. Aqueles olhos cobertos de escama de peixe viam por demais de que o desejado, a flauta doce apaziguaria a alma fraca e suas palavras fariam outro qualquer dar meia volta com uma esperança besta de dias melhores e a sorte lhes açoitaria as costas até esvair a alma em sangue e deitar o corpo aos urubus. Ouvi com os pulsos fechados a tão doces palavras que me atinaram logo: Era ele, o próprio Satanás!

Sua suavidade e seu canto me deixaram na duvida se estava morto ou não. Mas oras, o meu juízo é o mesmo e tanto faz. Briga de morto ou briga de vivo dá no mesmo, tudo em pé de igualdade e é Deus, nosso senhor, que sabe acertadinho os passos que dou. Tudo pela graça e vontade d’Ele, que sabe o motivo de eu ser assim, sem pensar cumpro melhor seus desígnios e num lampejo puxo da faca, que parece maior que o de costume. Os olhinhos opacos se assustam com seu brilho. Na garganta passo por obrigação, por diversão passo nos olhos meio-abertos, nas orelhas e na língua de fora. Peço perdão pelo ato desnecessário e volto a cara antes do ultimo gemido. Começa a chover e em passos largos marcho o caminho de volta. Com gosto esbarro nos que vão contra o meu caminho. Aquelas caras alegres me olhando com espanto, certo fosse que a chuva tivesse derretido meu juízo.

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