Curral. Na madrugada de uma noite fria de outono, o Astra preto de chapa branca, corta as ruas mal cuidadas da periferia, empenhando velocidade incompatível com as condições do piso. O motorista entra numa escura viela, apaga os faróis e diminui o ritmo. Ele veste uma jaqueta preta e aparenta trinta e poucos anos. No rosto, trás o desleixo de uma barba de quatro dias. Estaciona o carro na lateral de um chalé modesto, que tem uma única lâmpada acesa no fundo do quintal. Confere e destrava a pistola automática e sai cautelosamente do veiculo. Checa se alguém o viu e devagar segue ate a traseira do Astra. O silencio da noite é quebrado com o ruído seco e abafado da abertura do porta malas.
PANKÊ!
No interior, um velho careca vestido em ternos amassados, tem os olhos atordoados e a boca coberta por uma fita de embalagens. Suas mãos estão atadas e ele não demonstra qualquer tipo de reação à situação. O motorista o retira do veiculo e o auxilia a ficar de pé. Cambaleando, o velho é puxado em direção da casa. A luz do quintal incomoda os olhos de ambos e finalmente o velho é atirado no chão da cozinha:
- Não se ajeite no chão, Severino. Logo você vai ter que se sentar...- Diz o algoz , enquanto verifica os aposentos da modesta habitação. Mais calmo, ele retira a jaqueta e coloca a pistola na cintura. Jogado no chão, Severino observa o piso e pensa que no poderia acontecer. E num gemido abafado, tenta dizer algo.
- Hummmmmuummm...
O motorista puxa uma cadeira e senta-se ao contrario, com o peito apoiado nas costas do assento. Acende um cigarro de filtro amarelo com uma caixa de fósforos e dá uma tragada forte. A fumaça sai rápido e densa:
- Meu nome é Brás. Temos contas a acertar. - Ele puxa a fita que cobre a boca de Severino com força e o adverte pousando a mão na coronha da pistola - Se gritar, você se encontra com Deus mais rápido.
O idoso dá um suspiro aliviado e limpa o suor da testa, esfregando a cabeça no ombro do paletó:
- Meu filho, diga quanto que mando lhe pagar. Só não faça isso com um velho amarrado, tenho problemas de saúde...
- Você tem bastante dinheiro para sua vida? Será que pode comprar sua própria vida??-Brás tem despeito na voz.
- Tenho, tenho! Sou deputado, tenho dinheiro pra tudo!
O cigarro ainda está pela metade quando é atirado com as pontas dos dedos contra a parede. Agachado junto a Severino, Brás o levanta e o leva para a sala do imóvel. Lá, sentados em duas cadeiras, amarrados e encapuzados, dois homens tambem trajando ternos, estão imóveis e respirando silenciosamente. Uma terceira cadeira vazia aguarda, o corpo do velho. O desespero começa a tomar conta do espírito do deputado, mas a prudência o mantem falando baixo:
- Filho, tenha juízo. Não estrague sua vida por algo que posso lhe dar...diga quanto! Dez milhões? Vinte milhões?
- Vamos fazer um leilão?? Aqui temos mais dois amigos seus, vamos ver quem pode e se pode dar o que quero - Brás retira o capuz dos dois homens que trazem a exaustão e a falta de esperança na face - o companheiro Genuíno e o deputado Antonio Carlos já selaram a sorte deles.
Severino dispara sem argumentos enquanto larga-se na cadeira:
- Genuíno? Isso nunca foi meu amigo, essa corja IMUNDA do PT! De onde você tirou a idéia que sou amigo dessa raça??
Genuíno ouve com asco as palavras do conterrâneo nordestino e pousa mansamente o queixo sobre o peito. Seu olhar não tem direção. Severino não se cala:
- ...o Carlinhos tem meu respeito por ser neto de quem é, mas nunca tive negócios com ele. Homem, diga o valor e vamos acabar logo com isso!
Brás acende outro cigarro e responde a Severino enquanto olha para ACM Neto:
- É . Esse vai morrer pra não espalhar o sangue do avô por ai, isso eu já tinha deixado bem claro em conversas anteriores. - Ele aponta a pistola para Antonio, que com os olhos fechados deixa escapar entre os dentes:
- Covarde.
O tiro ecoa pela casa. Estraçalhou os dentes da vitima e vai parar na parede depois de sair violentamente pela nuca. A pólvora e seus odores enchem a pequena sala. Genuíno permaneceu estático e nem o tiro lhe provocou reações. Severino começa a chorar e murmurar sem olhar para o rapaz morto na cadeira:
- Eu não posso acabar assim, fui presidente da câmara, tenho influencia, tenho dinheiro, "púder"...
Genuíno finalmente solta a voz:
- Cala a boca , velho idiota. Só um sai vivo daqui e você falando em dinheiro... - Severino retruca:
- Sair vivo??Então que seja eu ! Você não tem mais dinheiro que eu, é um menino ainda. Não teve tempo pra acumular riqueza. E dinheiro compra tudo...
Brás larga a arma no chão e sai ate a cozinha. Quando volta, vê Severino tentando alcançar a pistola com os pés. A peixeira esta nas mãos do assassino e corta o ar, zunindo sua lamina
SHSSSSSSSSSSSSSSSSSSS!
O impacto na face. O corte arrancou um pedaço do nariz e ambos os lábios estão dilacerados. Severino quer falar, mas só sangue sai de sua boca. E como num sacrifício, Brás corta lentamente o pescoço enrugado do idoso, que deixa o corpo ceder sem vida quando o sangue lhe espirra da jugular.
Genuíno tem seu colarinho manchado de sangue . Ele fala com calma e auto piedade:
- Brás, me desamarre e me dê o revolver. Quero resolver isso por conta própria, morro pelas minhas mãos.
O matador ouve e corta a corda de nylon que amarra Genuíno que aperta em alivio seus próprios pulsos:
- Agora me deixe só. Não quero fazer isso na sua frente...- diz tranqüilo pegando a pistola no chão.
Brás acena com a cabeça , sai lentamente da sala com o facão em punho e lamenta sem olhar para tras:
- Dizem que meu voto é uma arma. Só que quando uso essa arma, quem acaba sempre se machucando, sou eu mesmo.
E o tiro é disparo, derrubando um corpo sem vida chão.
Uma hora depois , Genuíno esclarecia ao delegado que observa Brás morto com um tiro nas costas:
- ...consegui me soltar e quando ele veio em minha direção com a peixeira, atirei. Foi em legitima defesa. Legitima defesa, o senhor me compreendeu, companheiro?
Por enquanto é só pessoal. Até qualquer hora.
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